quarta-feira, 19 de agosto de 2009

"Tudo no mundo é secreto": arte e obscenidade em "A casa dos budas ditosos"


A prosa direta do livro remete-nos a um diálogo cujo fala é feita por um senhora sentanda em uma poltrona relatando idéias e histórias instigantes. A imagem da senhora virtuosa por conta da idade, quase setenta anos, logo é descontruída. Suas proezas são diferentes de qualquer fato saído da boca de uma mulher que tem pouco mais da idade da minha avó, é impossível não colocar a comparação. Nada é sutil, eufemizado ou labiríntico, ao contrário o texto soa realidade e verdade. As cenas rapidamente formam-se em nossa mente e é quase impossível não figurativizá-las, imaginando cada toque, por mais chocante que seja. O livro é interessante por deixar na penumbra sua construção. Assim, ficção e realidade tornam-se próximas, uma tateando os limites da outra. Segundo João Ubaldo Ribeiro, ele recebeu um pacote com a transcrição de várias fitas feitas por uma mulher misteriosa desejosa que fossem usadas na coleção da editora "Plenos Pecados".

O livro incomoda, torna-se até um empecilho para o já concebido no que condiz a sexualidade e ao que é cristalizado pelo conservadorismo e o patriarcalismo, em derrocada a muitas décadas.

Uma mulher de quase setenta anos conta suas histórias luxuriosas que envolve tudo o que estamos a recriminar e nos assustar, definitivamente o livro beira ou deságua radicalmente no obsceno, apesar de possuir passagens interessantes e bonitas, como (...)história de minha vida, ai minha história, tão rica, tão curta. Vittorio Gassman tinha razão, numa entrevista que eu vi na tevê: a vida devia ser duas; uma para ensaiar, outra para viver a sério(...).

Incesto, sexo com outras pessoas e críticas sócio-culturais, sendo concepções de vida, permeiam o livro de começo ao fim. O que move a verbalização é a estranha necessidade de contar e, também, uma doença terminal que a deixa consciente de que o seu fim está próximo: "Não sei quem foi que disse que a perspectiva de ser enforcada amanhã de manhã opera maravilhas para a concentração. Excelente constatação" (p.15)

Eis a sugestão de leitura, mas não sintam-se desavisados, a leitura pode chocar, fazer refletir e, com certeza, sair do que é usual e contido. Agora um pequeno trecho para terem uma idéia:
"Começou então a escravidão dele. No dia mesmo do banheiro, já mencionei esse dia, ele não queria me botar nas coxas em pé, atrás da porta de um banheirinho que nem bidê tinha, porque estava com medo de que a mulher dele, tia Regina, nos pegasse. Mas eu, que gostava do perigo de tia Regina nos flagrar, disse que, nesse caso, nunca mais faria nada com ele, ou ele topava ou adeus. Ele então topou e eu ainda lhe dei uma mordida no pescoço para deixar marca e ele ter de inventar uma história qualquer, ele que se lixasse, eu achava que não tinha nada a perder. (...)" (p.84)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ensaio sobre a cegueira


Hoje uma dica de filme. “Ensaio sobre a cegueira”, obra fílmica advinda do livro de José Saramago, instiga e incomoda. Os prefixos negativos talvez tornem meu texto um pouco redundante, mas transmito o que senti ao assistir o filme. Elementos básicos para sobrevivência como higiene e comida são minimizados a ponto de colocar as vítimas da cegueira branca no limite da vida, tornando-os estáticos e sem saber o que fazer. Além de dividir espectadores, o longa metragem apresenta um colapso social. Os personagens, isolados em quarentena em um lugar sujo e sem condições mínimas de sobrevivência, vêem-se a margem da sociedade e no limite da existência. Somente a personagem de Julianne Moore consegue ver e assiste a tudo, inclusive a traição de seu marido. O humano no filme é pequeno, vândalo e a deriva. Alguns buscam união para humanizar-se, mas ao mesmo tempo outros são sórdidos e perversos. Não sabe-se a origem da cegueira e nem se sabe como a mesma se esvai. O bom é conferir o filme e sentir na arte do diretor Fernando Meirelles a fragilidade de viver.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Em transe

Hoje privilegio a verdade. Por que sendo clara e límpida acaba por fazer parte do que refletimos de nós mesmos.